
Leopoldo María Panero (Espanha, 1948-2014) foi um poeta, escritor, tradutor e ensaísta comumente tratado como um “poeta maldito” de sua geração. Com formação em Filosofia e em Letras, se encantou com o movimento hippie na juventude e participou de movimentos de extrema-esquerda contra a ditadura de Francisco Franco (da qual o pai de Leopoldo era apoiador), o que acabou o fazendo ser preso. Viciado em álcool e em heroína, começou a manifestar esquizofrenia na prisão. Foi internado inúmeras vezes, algumas delas por iniciativa própria, chegando a ser tratado com eletrochoque como método não só para “curar” seu sofrimento mental, mas também sua homossexualidade. Levando uma vida marginalizada e decadente, Leopoldo María Panero contou, na velhice, com a ajuda de professores e alunos da Facultad de Humanidades de la Universidad de Las Palmas.
Fortemente autobiográfica, ler a poesia de Leopoldo María Panero é o exercício de uma razão outra. A começar por si, já que, em alguns poemas, o poeta convoca Leopoldo María Panero para um diálogo, como para uma análise desse eu-outro. Além disso, encontra-se também um tom de prece, com invocações e súplicas endereçadas a figuras sagradas e diabólicas: hinos a Deus Pai e a Jesus Cristo convivem com muitos hinos a Satã, ao Anticristo e a Asteroth. Nas palavras de Panero: “La esquizofrenia o la revelación mística son la misma cosa” – o que também contextualiza a temática da psicanálise, da loucura, das neuroses e das obsessões em sua poética.
As referências literárias e poéticas são muito constantes na poesia de Panero: El Cid, Guido Cavalcanti, Pablo Neruda, Jorge Luis Borges, Franz Kafka, Arthur Rimbaud, Lautreamont, Friedrich Hölderlin, Georg Trakl, Mallarmé, Ezra Pound, Paul Celan, Agatha Christie, Emily Dickinson, Marianne Moore e João Cabral de Melo Neto são nominalmente citados, como em uma convocação erudita a partir da qual Panero monta a sua própria e múltipla filiação.
Apesar dessa pluralidade de diálogos, Leopoldo María Panero entendia metapoeticamente o poema pela via da negatividade: o poema é uma “uma criatura doente”, insuficiente, “o saber inútil de um escravo”, algo sempre menor do que parece, sendo da linguagem apenas o resto e bem menos preferível do que o silêncio.
Sua poesia completa, publicada em dois volumes pela Visor Libros, possui 1211 páginas. Os poemas aqui selecionados pertencem a quatro obras: Tres historias de la vida real (1981), Poemas del manicomio de Mondragón (1987), Contra España y otros poemas no de amor. (1990) e Los señores del alma (Poemas del manicomio del Dr. Rafael Inglott) (2002).
Poemas de Leopoldo María Panero
Tradução: Jorge Miranda.
I. LA LLEGADA DEL IMPOSTOR FINGIÉNDOSE LEOPOLDO MARÍA PANERO
Al amanecer, cuando las mujeres comían fresas crudas,
alguien llamó a mi puerta diciendo ser y llamarse Leopoldo
María Panero. Sin embargo, su falta de entereza al represen-
tar el papel, sus abundantes silencios, sus equivocaciones al
recordar frases célebres, su embarazo cuando le obligué a re-
citar a Pound, y finalmente lo poco gracioso de sus gracias,
me convencieron de que se trataba de un impostor. Inme-
diatamente, hice venir a los soldados: al amanecer del día si-
guiente, cuando los hombres comían pescado congelado, y
en presencia de todo el regimiento, le fueron arrancados sus
galones, su cremallera, y arrojado a la basura su lápiz de la-
bios, para ser fusilado poco después. Así terminó el hombre
que se fingía Leopoldo María Panero.
[Tres historias de la vida real. 1981]
I. A CHEGADA DO IMPOSTOR SE FINGINDO DE LEOPOLDO MARÍA PANERO
Ao amanhecer, quando as mulheres comiam morangos crus,
alguém bateu em minha porta dizendo ser e se chamar Leopoldo
María Panero. No entanto, sua falta de integridade ao represen-
tar o papel, seus abundantes silêncios, suas equivocações ao
recordar frases célebres, seus embaraços quando o obriguei a re-
citar Pound, e finalmente o pouco gracejo de seus agradecimentos,
me convenceram de que se tratava de um impostor. Ime-
diatamente, fiz os soldados virem: ao amanhecer do dia se-
guinte, quando os homens comiam peixe congelado, e
em presença de todo o regimento, foram arrancados seus
galões, seu zíper, e jogado no lixo seu batom,
para ser fuzilado pouco depois. Assim terminou o homem
que se fingia de Leopoldo Maria Panero.
LAMED WUFNIK
Yo soy un lamed wufnik
sin mí el universo es nada
las cabezas de los hombres
son como sucios pozos negros
yo soy un lamed wufnik
sin mí el universo es nada
dios llora en mis hombros
el dolor del universo, las flechas
que le clavan los hombres
yo soy un lamed wufnik
sin mí el universo es nada
le conté un día a un árabe
oscuro, mientras dormía
esta historia de mi vida
y dijo “Tú eres un lamed wufnik”*
sin ti Dios es pura nada
_____________
*y añadió «y entre los árabes, un kutb»
(v. Jorge Luis Borges, El Libro de los seres imaginarios)
[Poemas del manicomio de Mondragón. 1987]
LAMED WUFNIK
Eu sou um lamed wufnik
sem mim o universo é nada
as cabeças dos homens
são como sujos poços obscuros
eu sou um lamed wufnik
sem mim o universo é nada
deus chora em meus ombros
a dor do universo, as flechas
que lhe cravam os homens
eu sou um lamed wufnik
sem mim o universo é nada
contei um dia a um árabe
escuro, enquanto dormia,
esta história de minha vida
e ele disse “Tu és um lamed wufnik”*
sem ti Deus é puro nada
_____________
*e acrescentou “e entre os árabes, um kutb”
(v. Jorge Luis Borges, O livro dos seres imaginários)
LA MONJA ATEA
Las monjas adoran a su Dios que no existe
mientras el Papa aprieta el gatillo
y dice Dios no existe
es una imaginación de la Iglesia
que está muriendo poco a poco
los ateos lloran al pie de una estatua.
Y el mundo dice Dios no existe
es una imaginación del Papa
mientras los ateos
lloran y lloran por su belleza perdida
y Dios ya no existe
está llorando en el Infierno.
Ésta es la estatua entera de la nada.
[Contra España y otros poemas no de amor. 1990]
A MONJA ATEA
As monjas adoram ao seu Deus que não existe
enquanto o Papa aperto o gatilho
e diz Deus não existe
é uma imaginação da Igreja
que está morrendo pouco a pouco
os ateus choram ao pé de uma estátua.
E o mundo diz Deus não existe
é uma imaginação do Papa
enquanto os ateus
choram e choram por sua beleza perdida
e Deus já não existe
está chorando no Inferno.
Esta é a estátua completa do nada.
EL ANTICRISTO
Quién soy yo, sino una mueca ante el espanto
ah doctor del silencio, temblor para nada
rictus del poema, flor ante el espanto
y es el poema
el ritual del neurótico obsesivo
y las ideas fluyen como ciervos
que habitan en el lago, que en el lago gritan
teniendo por sus ojos al espanto
y la luna grita y el ciervo grita
y es como si el viento gritara
como una guitarra
rasgando el silencio, y a él preguntara
quién soy yo.
[Los señores del alma (Poemas del manicomio del Dr. Rafael Inglott). 2002]
O ANTICRISTO
Quem sou eu, senão uma careta diante do espanto
ah doutor do silêncio, tremor para nada
rito do poema, flor diante do espanto
e é o poema
o ritual do neurótico obsessivo
e as ideias fluem como cervos
que habitam no lago, que no lago gritam
tendo em seus olhos o espanto
e a lua grita e o cervo grita
e é como se o vento gritara
como uma guitarra
rasgando o silêncio, e a ele perguntara
quem sou eu.
nota: lamed wufnik é uma espécie de ser fantástico criado pelo escritor argentino Jorge Luis Borges. Segundo a descrição do autor, que se diz baseado em um mito judaico relatado por Max Brod, os lamed wufnik são um grupo de 36 homens retos e íntegros que justificam a humanidade perante a ira de Deus, fazendo com que o mundo e tudo que há nele sejam poupados. São indivíduos anônimos que desconhecem essa sua condição, vindo a morrer instantaneamente caso a descubram.
