
Zahra El Hasnaoui Ahmed (República Árabe Saaraui Democrática – RASD, الجمهورية العربية الصحراوية الديمقراطية, nascida em 1964) é uma poeta e ativista saarauí.
A RASD atualmente é um estado parcialmente reconhecido internacionalmente. Antiga colônia espanhola (denominada Saara Espanhol), foi militarmente ocupada pelo Marrocos em 1975. Desde 1976, a partir do movimento da Frente POLISARIO, a RASD reivindica sua autonomia e soberania. Suas línguas oficiais são o espanhol, o arábe e variações do árabe clássico, como o árabe hassania e o dariŷa, ou árabe marroquino.
Zahra El Hasnaoui Ahmed integra um grupo de poetas saarauís cujas primeiras publicações datam da década de 80: Mohamed Salem Abdelfath Ebnu, Ali Salem Iselmu, Chejdan Mahmud, Limam Boicha Saleh Abdalahi, Luali Lehsan, Bahia Mahmud Awah e Mohamed Ali Ali Salem. Com a possibilidade de reunião de todos os poetas em 2005 (dado que muitos dos poetas estavam sob condição de diáspora, sobretudo em Cuba e na Argentina), foi fundado o grupo de escritores saarauís chamado Generacíon de la Amistad, ao qual se juntaram autores espanhóis, como Ricardo Gómez, Ana Rossetti, Gonzalo Moure e Antonio Polo, jovens pesquisadores latino-americanos e hispanistas da Universidade de Irvine, da Califórnia.

A cultura saarauí possui suas formas literárias e poéticas próprias, como o gaf, uma estrofe de quatro versos com oito sílabas cada e com esquema de rimas (abab). Os dois primeiros versos do gaf são chamados al-magiam, e os dois últimos seguintes, al-maga’da. Geralmente, o gaf é o ínicio de um talaa, a forma poética saarauí mais tradicional. Um talaa se inicia com um gaf e depois tem sua estrutura formal e seu padrão de rimas alterados, passando a ser composto com estrofes de três versos em esquema (ccc, bcb). Um bom talaa deve possuir um hemer bem construído, isto é, os três primeiros versos devem dizer claramente o assunto do poema, de modo que, feito isso, as demais estrofes do talaa avancem e desenvolvam o que foi iniciado no gaf. Essa estrutura relativamente simples é muito comum não só entre poetas e a modalidade escrita da língua saarauí, sendo percebida coloquialmente também na linguagem oral.
A situação política da RASD atravessa criticamente a poesia saarauí. Em muitos momentos, a poesia lírica com temáticas afetivas é rechaçada em prol de uma produção poética mais engajada, que aborde a revolução, as lutas, as transições históricas entre a vida nômade e a vida urbana e a defesa e afirmação do povo e da cultura saarauís.
Os poemas de Zahra El Hasnaoui Ahmed apresentam ambas as vertentes, articuladas para estabelecer a importância da mulher na luta saarauí e sua condição de diáspora e exílio na própria terra. A relação mulher-pátria se dá de uma forma elaborada, na qual a natureza não é apenas a cor local que precisa ser pintada no poema para estabelecer um vínculo entre a poeta e sua terra. Cada parte da paisagem saarauí é um depósito de memórias; logo, reivindicar a sua terra também é reivindicar o seu povo e a sua história, expressar seu pertencimento e sua dor ante o sentimento de perda. Não por acaso, Zahra elege para a sua poética uma imagem muito potente: as nuvens. Capaz de carregar tanto o frescor da sombra quanto a força das tempestades, a nuvem é um poema silencioso que desconhece as fronteiras: nômade como os saarauís.
Os poemas aqui selecionados estão presentes no livro El silencio de las nubes, publicado pela Arma Poética Editorial em 2016.
Três poemas de Zahra El Hasnaoui Ahmed
Tradução: Jorge Miranda
Una flor
A los que lo entregasteis todo para
defender nuestra existencia
Tras años
de asfalto,
cabalgaba
las arenas
rescatando
estrofas infantiles
y muñecas de marfil.
Una flor,
sobre una
tumba anónima,
derramaba sombra
en la yerma claridad.
Condecoraba
la tierra
al soldado civil.
La sencilla ofrenda
enmudeció
mis pensamientos,
la pompa y el clamor.
Y me inundó la lluvia.
Y no supe qué hacer.
Decidí sentir.
Uma flor
Aos que entregaram tudo para
defender nossa existência
Depois de anos
de asfalto,
cavalgava
as areias
resgatando
estrofes infantis
e bonecas de marfim.
Uma flor,
sobre um
túmulo anônimo,
derramava sombra
na erma claridade.
Condecorava
a terra
ao soldado civil.
A simples oferenda
emudeceu
meus pensamentos,
a pompa e o clamor.
E me inundou a chuva.
E não soube o que fazer.
Decidi sentir.
El silencio de las nubes
A las nubes no les quedan pastores.
Se trasladan taciturnas
en busca de los rebaños de dromedarios,
las risas de los niños, los frigs de jaimas,
los pozos verdes y las melfas cantarinas…
Todo es distinto.
Se fueron…
y vino el silencio
a cubrir la infinidad
de narcótica pausa.
Enmudecen los ríos,
las palabras callan…
La sombra de una nube
consuela a una huérfana acacia.
No queda nada.
Las piedras que santifica el rezo.
Y la acacia.
O silencio das nuvens
Às nuvens não se detém pastores.
Transferem-se taciturnas
em busca dos rebanhos de dromedários,
os sorrisos das crianças, os frigs de jaimas*,
os poços verdes e as melfas* cantantes...
Tudo é distinto.
Se foram...
e veio o silêncio
a cobrir a infinidade
de narcóticas pausas.
Emudecem os rios,
as palavras calam...
A sombra de uma nuvem
consola a uma acácia órfã.
Não sobra nada.
As pedras que santifica o rezo.
E a acácia.
_________
Notas do tradutor:
*frig: forma de acampamento nômade de famílias saarauís, formado por tendas. Geralmente, um frig possui a extensão aproximada ao que entendemos como um bairro.
jaima: tenda típica saarauí.
melfa = traje típico das mulheres saarauís. No verso, parece estar empregado em sentido metonímico, fazendo referência às mulheres que usam melfa.
¿Quién?
¿Quién soy
de los múltiples exilios?
Lejos quedaron
las palmeras que me parieron.
Muchas veces, me habla la fatiga,
el río y el desamparo.
Merodeo por la tristeza
y vomito dolores
en busca de alivio.
Un instante.
Presta viene la vida
a recordarme
que somos afiliados.
La soledad es encuentro,
la intermitencia un todo.
Recopilo mis prójimos
y partimos a masticar
con deleite las horas.
Quem?
Quem sou
dos múltiplos exílios?
Longe ficaram
as palmeiras que me pariram.
Muitas vezes, fala-me a fadiga,
o rio e o desamparo.
Rondo pela tristeza
e vomito dores
em busca de alívio.
Um instante.
Emprestada, vem a vida
a me recordar
que somos afilhados.
A solidão é encontro,
a intermitência, um todo.
Reúno os meus próximos
e partimos a mastigar
com deleite as horas.

